”Calma, mestre. Quem sabe não foi algum acidente que o privou dos outros olhos?”
”Não há marcas de cicatrização, aprendiz. Esta espécie não se regenera; quando perde alguma coisa, fica a marca. Não, eu te digo: este aqui nasceu com apenas dois olhos.”
”Será um mutante, mestre?”
”Não é mutante não. Os observadores-coletores disseram que são todos assim.”
”Então é de se lamentar mesmo. Aliás parece que o número dois se repete bastante nessa estrutura. Existem dois orifícios de finalidade desconhecida diametralmente opostos na esfera, dois membros superiores e dois membros inferiores.”
"Bem observado. Absurdos compatíveis com a escassez de olhos. Este pobre ser tem de se equilibrar sobre dois membros compridos e frágeis, e precisa girar a esfera superior quando quer enxergar o que está atrás ou ao lado. Como consegue se defender de predadores?”
”Mestre, tenho uma pergunta e uma observação. Primeiro a pergunta: está este ser exposto a muitos predadores, lá no seu planeta de origem?”
”Segundo os observadores-coletores, sim. Além de outras espécies hostis, há também um fato desconcertante: eles são predadores de si mesmos!”
”Mestre, não entendi! Significa que atacam-se uns aos outros? Como assim? Para quê? Não, não posso acreditar.”
”Eu também tive essa reação quando soube. Então me mostraram imagens obtidas naquele planeta. Não queira vê-las, aprendiz. Passei mal e tive que ser medicado.”
”Só me responda isto, mestre: por quais motivos atacam-se uns aos outros?”
”Para se apoderarem de pertences. Ou de territórios. Ou dos corpos uns dos outros...
Calma, calma, aprendiz! Não fique assim! Lembre-se de que eles são uma raça inferior. Não se pode esperar muito de seres inferiores.”
”Desculpe, mestre. Não queria ter tido essa reação. É penoso, mas tenho que ser forte, faz parte do aprendizado. E falando em primitivismo, a observação que eu queria fazer é esta: reparou que a esfera superior não gira 360 graus?”
”Tem certeza? Já fez o teste?”
”Fiz, mestre. A esfera gira apenas 90 graus para cada lado. É uma estrutura muito tosca, realmente. E ainda tem um fato mais grave. Ao que tudo indica, o centro de processamento de informações está localizado exatamente nessa esfera superior.”
”Já ouvi tal hipótese, aprendiz, mas preciso de maiores evidências para acreditar. Seria um inaceitável erro de projeto que o órgão mais importante da criatura ficasse localizado em sua parte mais exposta e vulnerável. Se for assim, qualquer objeto que atinja a esfera com suficiente força pode fazer a criatura perecer.“
"Mestre, posso dar uma sugestão? Que tal interrompermos por hoje o exame deste espécime? Foram informações chocantes demais para uma única sessão. Que acha de pegarmos outra criatura para estudar?”
"Está bem. Eu mesmo me sinto um pouco abalado. Faça o seguinte, aprendiz: devolva este humano ao arquivo morto e traga para cá a chamada borboleta.”
”Borboleta, mestre? Aquele ser minúsculo com asas coloridas?”
”Esse mesmo, aprendiz. Há um grande mistério relacionado a essa criatura. Dizem que nunca foi observado um filhote de borboleta!”
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