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quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Quem Deus ajuda?

Oi, mãe.  Olha eu aqui. A senhora já sabe, né? Quando eu apareço assim, de supetão, é porque tenho alguma coisa pra contar. Ou pra desabafar. 

Primeiro um copo d’água. Não precisa café não, tá bom assim. Se prepara, mãe. O caso de hoje é desabafo mesmo. Faz dias que isso não sai da minha cabeça. Preciso colocar pra fora. Então lá vai.

Tem a ver com aquele ditado que a senhora sempre fala, “Deus ajuda a quem cedo madruga”. Então. Eu sigo esse conselho desde que me entendo por gente, e não me arrependo.  Madrugar é meu costume. Quando arranjei o primeiro emprego de carteira assinada, pensei: “é aqui que vou ficar até a aposentaria”. Por isso chegava antes da hora, pegava os meus apetrechos e já começava a trabalhar. Eu era faxineiro, lembra? Mas tinha jeito com eletricidade e também consertava coisas, então fui promovido pra ajudante geral. Daí comecei a prestar atenção no serviço do pessoal do escritório. Perguntei como fazia pra trabalhar ali. Falaram que eu não podia porque não tinha estudo. Arranjei escola noturna e fui atrás do diploma, isso a senhora se lembra porque me esperava toda noite com a janta na mesa, mesmo eu chegando tão tarde.

Tirei o diploma e pensei que já podia mudar de função. Até mudei, mas não foi bem do jeito que eu queria. Me botaram pra fazer um monte de coisa na rua: buscar e levar documento, resolver assunto em banco e cartório, falar com fornecedor, e o que mais aparecesse.

Nessa época me veio uma ideia: prestar muita atenção em tudo e aprender o máximo para conhecer a empresa por completo. Meu pensamento era: quem sabe um dia eles reconhecem o meu valor e me dão uma oportunidade no escritório.

Como a senhora sabe, esse dia chegou. Mandaram embora um funcionário e, em vez de pegar um novo, me colocaram no lugar.

Olha, eu fiquei feliz que só vendo. E continuei com a minha ideia de aprender cada vez mais pra poder subir de cargo. Disseram que era preciso faculdade, então fui fazer a faculdade. Dessa vez quem me esperava tarde da noite com a janta em cima da mesa era a minha mulher, abençoada seja.

Então, mãe. Tirei o diploma da faculdade. Aprendi tudo o que era preciso. Não faltava mais nada, a não ser a vaga de supervisor, era essa que eu queria.

Mês passado o supervisor morreu, Deus o tenha. Era bem idoso e estava doente. Coisas da vida. Logo começaram a comentar quem ia ocupar o cargo. A maioria achava que só podia ser eu, antigo de casa, conhecia o serviço de cabo a rabo, e além do mais, funcionário de confiança.  

Sabe o que aconteceu, mãe? Isso tá fazendo uma semana. Convocaram a gente pra uma reunião. Meus colegas já foram me dando os parabéns antes mesmo do anúncio.

Pois não é que apresentaram lá um molecote todo engomadinho que nunca ninguém tinha visto antes, e disseram que era o novo supervisor?

Ficou todo mundo de boca aberta sem entender. Pior ainda, mãe: me chamaram e disseram que era pra eu ensinar o serviço pro molecote.

Ele não é má pessoa, parece esforçado e me trata com respeito, reconheço.

Mas isso não foi justo, mãe. A gente descobriu que é filho de um amigo do diretor, e nem acabou a faculdade ainda.

Tanto que madruguei, tanto que me esforcei, confiando que Deus ia me ajudar… Não me arrependo de ter seguido o seu conselho, mãe, porque é o caminho certo pra se tomar na vida, mas tenho pensado muito numa coisa. Sabe a conclusão que tirei? É triste, mas não tenho outro modo de encarar isso. Não devia ser assim, mas é. Mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga.