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sábado, 29 de março de 2025

Ama as tuas rosas

Visitando uma casa de repouso conheci o Seu Matias.

Mais de noventa anos, vários problemas de saúde, mas --- segundo me contaram --- pessoa culta e perfeitamente lúcida. 
No meio da conversa sobre como anda caótico este mundo, me perguntou se eu já havia lido "A máquina do tempo", de H. G. Wells.
Respondi que sim, e ele disse que a leitura desse livro o fez entender por que as coisas são como são. 
Estranhei.

--- Se já leu o livro deve se lembrar que naquela história a humanidade estava dividida em dois tipos de gente: os morloques e os elóis. Os morloques viviam no subterrâneo e eram um povo tecnológico. Os elóis viviam na superfície, eram infantilizados, completamente passivos, cuidados e alimentados pelos morloques. Depois se descobre que na verdade os morloques eram antropófagos e que os elóis eram o seu gado de corte.

Sim, eu me lembrava perfeitamente. Mas ainda não havia entendido o que tinha isso a ver com o estado atual do mundo. Seu Matias continuou:

--- A gente sabe que nada se perde, tudo se transforma. Tudo o que existe e tudo o que acontece tem um motivo e um propósito. Já pensou no porquê de tanto sofrimento no mundo?

--- Não... Existe sofrimento mas também existe felicidade. Uma coisa compensa a outra.

--- Não compensa. Existe muito mais sofrimento do que felicidade. E só pode haver um motivo.

Fiquei aguardando a conclusão...

--- Nós também somos gado de corte. Não para os morloques, porque eles não existem, mas para outro tipo de seres. Que não enxergamos.

--- Seres que não enxergamos?!

--- Não fomos feitos pra enxergar esses seres. Nem desconfiamos da existência deles. Mas eles se alimentam da nossa energia de sofrimento. 

Abri a boca pra falar mas demorei um pouco até conseguir formular a pergunta:

--- Mas por que energia de sofrimento? Não seria melhor a energia do amor, da felicidade?

--- Para os humanos sim, mas para eles não. Eles deixam a gente ser feliz só na medida certa para sobrevivermos entre um sofrimento e outro. Essa medida é bem pequena.

Pensei, pensei. Estava até com um pouco de medo de perguntar.

--- Tudo isso o senhor concluiu lendo o livro? Mas pra ter certeza de qualquer coisa é preciso ter provas.

--- Existem indícios. Mais ainda: existem evidências. Tem que existir um motivo para que a Terra seja um lugar de tanta dor. E não é só a raça humana que sofre. Repare que até os animais levam uma vida bem dura.

--- E não haveria um modo de reverter isso?

--- Reverter completamente não sei, mas minimizar seria possível sim.

Nem esperou a próxima pergunta e já foi esclarecendo:

--- Fraternidade. Amor fraterno. Amai-vos uns aos outros. Se esse conselho fosse seguido
, o grau de sofrimento humano diminuiria muito, a alegria de viver aumentaria, até os animais seriam mais felizes. Resultado: os seres parasitas iriam definhar por falta de alimento e quem sabe iriam embora, atrás de outras vítimas.

Nessa altura quem estava com vontade de ir embora era eu. Falar o que para alguém que tinha esse tipo de ideias na cabeça? Mas a boa educação exigia que eu não interrompesse de maneira abrupta a conversa. Falei só por falar:
--- O difícil é convencer os humanos a colocar em prática esses preceitos.

--- Difícil? É impossível. O ser humano não foi projetado pra ter bom senso. As criaturas sinistras nem precisavam ter silenciado o sujeito que pregava esses ensinamentos. Era um projeto que não ia dar certo nunca, mesmo que ele tivesse sobrevivido e repetido a cantilena por mais duzentos anos.

Cruzes! -- pensei eu. Que pessimismo! Mas ainda não estava na hora de dizer tchau, então continuei:
--- Se o senhor pensa assim, quer dizer que perdeu a esperança na humanidade?

--- Totalmente. Não vejo futuro para a nossa raça. Meu único consolo é que o meu tempo neste planeta está se aproximando do fim. Ainda bem.

Não consegui disfarçar um certo incômodo:
--- E as pessoas que ainda têm muitos anos pela frente? No que elas podem se apegar a fim de suportar tudo isso?

Seu Matias contemplou demoradamente o jardim florido à nossa frente..
--- Pessoas como você, por exemplo? É simples: segue o teu destino, rega as tuas plantas, ama as tuas rosas. O resto é a sombra de árvores alheias.


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