Onde comprar "Os meninos da Rua Beto"



Divirta-se com um livro diferente de todos os que você já leu!

"OS MENINOS DA RUA BETO"

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sexta-feira, 18 de abril de 2025

Festa de Aniversário

Estávamos, Carlos e eu, sentados a uma das mesas da padaria esperando os nossos pedidos. Minha atitude calma e silenciosa escondia um turbilhão de ideias. Eu sabia o que ele estava pensando e, embora discordasse, não queria chateá-lo. Daí o meu esforço em imaginar uma forma diplomática de abordar o assunto.

Enquanto isso notei uma família que entrou e se acomodou em uma mesa atrás do Carlos. Um casal e uma garotinha vestidos modestamente mas com capricho, naquela deselegância discreta de que falava o Caetano. Pareciam estar voltando de um passeio.

Nós também estávamos voltando de uma espécie de passeio. Tínhamos visitado um maravilhoso buffet de festas infantis. Nosso primeiro filho ia completar um ano, e eu queria dar uma festa grandiosa. Meu marido tinha outra opinião: o bebê é muito novo, para ele não vai significar nada, a despesa não compensa. Eu, pelo contrário, fazia planos de chamar toda a família, os amigos e as respectivas crianças para uma tarde de muitas brincadeiras, doces, salgados, refrigerantes e bolo.

Falando em bolo, reparei que a senhora do casal havia se levantado e estava examinando a vitrine de confeitaria. Passou direto pelos bolos e se concentrou nas tortas pequenas, aquelas de tamanho individual. Chamou o atendente e apontou para uma delas.

Voltei a atenção para o Carlos. Ele vinha de uma família de classe média baixa, por isso aquela constante preocupação com dinheiro. Não era o meu caso, mas sempre entendi e respeitei o seu modo de ser. No entanto agora se tratava do nosso bebê, e eu queria sim enfiar o pé na jaca com fé e vontade, mesmo sabendo que ele não ia ficar confortável com a minha oferta de pagar tudo sozinha.

O garçom trouxe os nossos pedidos e dei graças aos céus pela chance de adiar a conversa mais um pouco.

Na mesa da família já estavam a pequena torta de chocolate junto com três copos de suco. "Esse pessoal vai ficar com fome", pensei.

Nesse exato momento a senhora abriu a bolsa e tirou alguma coisa de dentro. Sem parar de mastigar o meu delicioso pastel de forno com recheio cremoso, continuei a prestar atenção. Eram três velinhas cor-de-rosa, que foram cuidadosamente espetadas na tortinha sob o olhar vigilante e curioso da criança. Em seguida o pai riscou um fósforo e as acendeu.

No meio daquele burburinho não deu pra ouvir a família cantando "parabéns a você", até porque faziam tudo discretamente. Os gestos é que mostravam claramente a comemoração: as palmas da menina e o seu sorriso de felicidade não deixavam dúvidas.

Parei de comer e fiquei contemplando aquela cena linda. Ela se lambuzando toda com o creme de chocolate enquanto a mãe ia limpando o que era possível com um lenço branquinho.

Carlos terminou o seu pastel, tomou um gole de cappuccino e me olhou como quem diz: "vamos conversar sobre aquele assunto?" Mas quem tomou a iniciativa fui eu:

--- Amor, eu pensei bem e acho que você tem razão. Besteira fazer uma festa enorme para um bebê de um ano. A gente pode convidar o pessoal mais próximo e comemorar com um jantar aconchegante. O que acha?

A expressão no rosto do meu marido se transformou. Até os seus olhos brilharam. Saímos de lá abraçadinhos como dois namorados. 

Mal sabe ele que vou pegar todo o dinheiro já reservado para a festa e doar para uma instituição que cuida de crianças. Porque o meu bebê merece essa homenagem. E aquela garotinha também. ❤️


Este conto foi inspirado no texto de Fernando Sabino

sábado, 29 de março de 2025

Ama as tuas rosas

Visitando uma casa de repouso conheci o Seu Matias.

Mais de noventa anos, vários problemas de saúde, mas --- segundo me contaram --- pessoa culta e perfeitamente lúcida. 
No meio da conversa sobre como anda caótico este mundo, me perguntou se eu já havia lido "A máquina do tempo", de H. G. Wells.
Respondi que sim, e ele disse que a leitura desse livro o fez entender por que as coisas são como são. 
Estranhei.

--- Se já leu o livro deve se lembrar que naquela história a humanidade estava dividida em dois tipos de gente: os morloques e os elóis. Os morloques viviam no subterrâneo e eram um povo tecnológico. Os elóis viviam na superfície, eram infantilizados, completamente passivos, cuidados e alimentados pelos morloques. Depois se descobre que na verdade os morloques eram antropófagos e que os elóis eram o seu gado de corte.

Sim, eu me lembrava perfeitamente. Mas ainda não havia entendido o que tinha isso a ver com o estado atual do mundo. Seu Matias continuou:

--- A gente sabe que nada se perde, tudo se transforma. Tudo o que existe e tudo o que acontece tem um motivo e um propósito. Já pensou no porquê de tanto sofrimento no mundo?

--- Não... Existe sofrimento mas também existe felicidade. Uma coisa compensa a outra.

--- Não compensa. Existe muito mais sofrimento do que felicidade. E só pode haver um motivo.

Fiquei aguardando a conclusão...

--- Nós também somos gado de corte. Não para os morloques, porque eles não existem, mas para outro tipo de seres. Que não enxergamos.

--- Seres que não enxergamos?!

--- Não fomos feitos pra enxergar esses seres. Nem desconfiamos da existência deles. Mas eles se alimentam da nossa energia de sofrimento. 

Abri a boca pra falar mas demorei um pouco até conseguir formular a pergunta:

--- Mas por que energia de sofrimento? Não seria melhor a energia do amor, da felicidade?

--- Para os humanos sim, mas para eles não. Eles deixam a gente ser feliz só na medida certa para sobrevivermos entre um sofrimento e outro. Essa medida é bem pequena.

Pensei, pensei. Estava até com um pouco de medo de perguntar.

--- Tudo isso o senhor concluiu lendo o livro? Mas pra ter certeza de qualquer coisa é preciso ter provas.

--- Existem indícios. Mais ainda: existem evidências. Tem que existir um motivo para que a Terra seja um lugar de tanta dor. E não é só a raça humana que sofre. Repare que até os animais levam uma vida bem dura.

--- E não haveria um modo de reverter isso?

--- Reverter completamente não sei, mas minimizar seria possível sim.

Nem esperou a próxima pergunta e já foi esclarecendo:

--- Fraternidade. Amor fraterno. Amai-vos uns aos outros. Se esse conselho fosse seguido
, o grau de sofrimento humano diminuiria muito, a alegria de viver aumentaria, até os animais seriam mais felizes. Resultado: os seres parasitas iriam definhar por falta de alimento e quem sabe iriam embora, atrás de outras vítimas.

Nessa altura quem estava com vontade de ir embora era eu. Falar o que para alguém que tinha esse tipo de ideias na cabeça? Mas a boa educação exigia que eu não interrompesse de maneira abrupta a conversa. Falei só por falar:
--- O difícil é convencer os humanos a colocar em prática esses preceitos.

--- Difícil? É impossível. O ser humano não foi projetado pra ter bom senso. As criaturas sinistras nem precisavam ter silenciado o sujeito que pregava esses ensinamentos. Era um projeto que não ia dar certo nunca, mesmo que ele tivesse sobrevivido e repetido a cantilena por mais duzentos anos.

Cruzes! -- pensei eu. Que pessimismo! Mas ainda não estava na hora de dizer tchau, então continuei:
--- Se o senhor pensa assim, quer dizer que perdeu a esperança na humanidade?

--- Totalmente. Não vejo futuro para a nossa raça. Meu único consolo é que o meu tempo neste planeta está se aproximando do fim. Ainda bem.

Não consegui disfarçar um certo incômodo:
--- E as pessoas que ainda têm muitos anos pela frente? No que elas podem se apegar a fim de suportar tudo isso?

Seu Matias contemplou demoradamente o jardim florido à nossa frente..
--- Pessoas como você, por exemplo? É simples: segue o teu destino, rega as tuas plantas, ama as tuas rosas. O resto é a sombra de árvores alheias.


quarta-feira, 19 de março de 2025

Por que o céu é azul?

 --- Mãe, por que o céu é azul?

--- Sei lá, Betinho. Porque Deus fez assim.

--- Mas por que ele fez assim? Não podia ter escolhido outra cor? Verde, ou roxo, ou cor-de-rosa?

--- Podia ter escolhido qualquer cor. Ele pode tudo.

--- Então por que preferiu o azul?

--- Como vou saber? Pergunta pra ele!

--- Como faço pra perguntar?

--- Fecha os olhos e pergunta em pensamento.

(Segundos depois...)

--- Mãe, quanto tempo vai demorar? Ele ainda não respondeu.

--- Pra que essa pressa? Vai ver ele está ocupado agora.

--- Ué! Ele não tem um montão de anjo ajudando ele?

--- Tem, mas a gente não sabe o que tá acontecendo lá no céu. Deve ter muita coisa pra ele tomar conta.

--- Era só ele criar mais um montão de anjo e pronto! Dava pra ele descansar e até responder as perguntas.

--- Num fala besteira, Betinho. Deus não descansa nunca.

--- Credo, mãe! Que vida besta ele tem. Eu é que não queria ser Deus.

--- Não se avexe não, Betinho. Ele vai dar um jeito de te responder. Quem sabe não te manda um daqueles anjos pra assoprar a resposta no teu ouvido?

(No dia seguinte...)

--- Mãe, já descobri por que o céu é azul.

--- Descobriu como, Betinho? Deus te respondeu?

--- Perguntei pro meu professor. Ele disse que é por causa do nitrogênio. Tem muito nitrogênio no ar. Quando o sol bate no nitrogênio, o ar fica azul.

--- Não te falei, Betinho? Deus te respondeu!

--- Mãe, será que o meu professor é um anjo?

--- Pode ser, Betinho. Tem muito anjo por aí fingindo de professor.


Imagem: Stockcake.com

quarta-feira, 5 de março de 2025

Uma doce velhinha

 Sou uma idosa de aparência frágil. Vivo em uma cidade perigosa, por isso saio pouco de casa. Além do risco de assaltos há o problema das calçadas irregulares. Ser vítima de assalto ou de queda: duas possibilidades desencorajadoras.

Passo algum tempo, todos os dias, escrevendo. Antigamente eu fazia planos de publicar as minhas histórias, de me tornar escritora em tempo integral. Agora não tenho mais expectativas. De nada. Escrevo para me divertir, para exercer a criatividade, para manter os neurônios funcionando. Sou sozinha, não posso me dar ao luxo de perder a sanidade mental. Quem iria cuidar de mim?

Às vezes fico pensando que após a minha morte virá alguém para esvaziar o apartamento, e esse alguém vai encontrar as pastas onde guardo os meus escritos. Porque escrevo à mão, como se fazia antigamente. Pois essa pessoa há de ficar curiosa, lerá alguns contos e, achando-os maravilhosos, vai recolher e levar consigo todas as pastas. Depois de algum tempo todo esse material será publicado em diversos livros, que farão muito sucesso. E receberão prêmios! (Quem sabe até um Nobel de Literatura?!)

De volta ao mundo real.

Semana passada aconteceu um fato pitoresco. Como já disse, evito sair de casa, porém é preciso pagar contas, fazer compras, ir de vez em quando às consultas.

Daí que estava a caminho do banco quando fui abordada por um jovem. Nem percebi quando ele se aproximou porque estava prestando atenção na calçada cheia de buracos. De repente ele estava ao meu lado, e falou com muita firmeza:

--- Aí, dona. Vai me passando o celular.

Olhei para ele e fiquei paralisada por alguns segundos devido à surpresa. Ele insistiu:

--- Vai logo, dona!

Sem desviar os olhos, abri o maior sorriso.

--- Rafael! É você, meu neto? Já está um moção! Veio ver a sua avó?

O rapaz ficou irritado:

--- Tu é demente, dona? Que neto que nada, me passa logo as suas coisas!

Nem me abalei. Continuei no mesmo tom:

--- Não mudou nada, né Rafinha? Sempre chamando a sua avó de louca. Mas por que você não vem comigo, em vez de ficar aí falando bobagens?

Nessa hora percebi um brilho no olhar do jovem. Deve ter pensado: "Essa maluca vai me levar até a casa dela? Tô vendo vantagem."

Falando em voz mais baixa me perguntou:

--- Onde a senhora está indo?

E eu:

--- Tô indo ao cemitério. Faz tempo que não visito o seu túmulo, meu neto. Preciso trocar as flores. Foi por isso que você veio, né? Sentiu a minha falta, não sentiu?

Uma expressão de repulsa apareceu em seu rosto. A rispidez voltou.

--- Tá falando do quê, velha louca?

Antes que ele continuasse, interrompi com energia:

--- Olha aqui, Rafinha, essa sua mania de me chamar de louca tem que acabar. Foi por isso que perdi a calma com você daquela vez.

Em seguida amenizei um pouco:

--- Falando nisso, já que você está aqui quero aproveitar pra te pedir perdão. Estou muito arrependida.

Ele não falou nada, nem dei tempo.

--- Arrependida do que te fiz, Rafinha. Não se lembra mais de como perdeu a vida? 

A repulsa se misturou ao horror. Ele deu um passo para trás. Continuei, já me exaltando um pouco:

--- Me arrependi sim, mas a culpa também foi sua. Quantas vezes já tinha pedido pra você ter mais respeito comigo? Mas não adiantava. Aquele dia perdi a calma, bem na hora em que estava cortando o pão. Era pra você que eu estava cortando aquele pão, Rafinha. E olha, vou te dizer: nem foram as palavras que fizeram o meu sangue subir, foi o ar de deboche. Uma criança de sete anos e já debochada daquele jeito.

O rapaz começou a se retirar, olhando de lado, meio assustado e meio curioso. Aproveitei para fazer uns gestos exagerados.

--- Que decepção, Rafael. Já vi que você não tomou jeito. Será que vou ter que fazer aquilo outra vez?

Abri a bolsa e comecei a remexer, como se estivesse procurando alguma coisa. O assaltante virou as costas e se afastou depressa sem olhar para trás.

Dessa vez me livrei, mas desde então tenho pensado em me mudar para algum lugar mais tranquilo.

Nem todo assaltante vai se comportar como esse, se deixando levar pelo roteiro de "Uma doce velhinha", um conto despretensioso que acabo de escrever.



quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Cuidadora

 Vem. Me dá a mão. Devagarinho. Cuidado pra não tropeçar. Já estamos chegando. Tá vendo aquela luz? É ali. Mais um pouco. Se apoia em mim. Pronto, a gente chegou.

 Agora o senhor tem que entrar. Não precisa ficar com medo não. Vão lhe cuidar muito bem. Melhor do que eu, pode acreditar. 

Não fica triste. Um dia venho lhe encontrar, eu prometo.

Tchau. Fica com Deus, pai.



sexta-feira, 26 de maio de 2023

Confissões

Padre Bento andava chateado com o estado deplorável da sua igrejinha, tão carente de limpeza e arrumação.

Foi quando recebeu no confessionário a dona Luzia, mulher do seu Januário.

Envergonhada, ela pediu perdão por um pecado muito feio que havia cometido. Jurou que não queria fazer aquilo, mas acabou fazendo, e precisava urgentemente se penitenciar.

Padre Bento já havia se deparado com pecados piores, porém mostrou-se estarrecido e concordou que um ato de tal gravidade exigia reparação excepcional. Passou-lhe como penitência a limpeza da igrejinha, além da reza de dez padrenossos.

Dias depois, contemplando o primor do trabalho de dona Luzia --- o esforço tinha sido proporcional ao sentimento de culpa ---, ele se lembrou da triste condição da casa paroquial. Teve outra boa ideia.

O único problema era descobrir como fazer chegar às mãos do seu Januário, anonimamente, uma daquelas revistas que ele guardava escondidas sob o colchão, havia tantos e tantos anos...



quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Quem Deus ajuda?

Oi, mãe.  Olha eu aqui. A senhora já sabe, né? Quando eu apareço assim, de supetão, é porque tenho alguma coisa pra contar. Ou pra desabafar. 

Primeiro um copo d’água. Não precisa café não, tá bom assim. Se prepara, mãe. O caso de hoje é desabafo mesmo. Faz dias que isso não sai da minha cabeça. Preciso colocar pra fora. Então lá vai.

Tem a ver com aquele ditado que a senhora sempre fala, “Deus ajuda a quem cedo madruga”. Então. Eu sigo esse conselho desde que me entendo por gente, e não me arrependo.  Madrugar é meu costume. Quando arranjei o primeiro emprego de carteira assinada, pensei: “é aqui que vou ficar até a aposentaria”. Por isso chegava antes da hora, pegava os meus apetrechos e já começava a trabalhar. Eu era faxineiro, lembra? Mas tinha jeito com eletricidade e também consertava coisas, então fui promovido pra ajudante geral. Daí comecei a prestar atenção no serviço do pessoal do escritório. Perguntei como fazia pra trabalhar ali. Falaram que eu não podia porque não tinha estudo. Arranjei escola noturna e fui atrás do diploma, isso a senhora se lembra porque me esperava toda noite com a janta na mesa, mesmo eu chegando tão tarde.

Tirei o diploma e pensei que já podia mudar de função. Até mudei, mas não foi bem do jeito que eu queria. Me botaram pra fazer um monte de coisa na rua: buscar e levar documento, resolver assunto em banco e cartório, falar com fornecedor, e o que mais aparecesse.

Nessa época me veio uma ideia: prestar muita atenção em tudo e aprender o máximo para conhecer a empresa por completo. Meu pensamento era: quem sabe um dia eles reconhecem o meu valor e me dão uma oportunidade no escritório.

Como a senhora sabe, esse dia chegou. Mandaram embora um funcionário e, em vez de pegar um novo, me colocaram no lugar.

Olha, eu fiquei feliz que só vendo. E continuei com a minha ideia de aprender cada vez mais pra poder subir de cargo. Disseram que era preciso faculdade, então fui fazer a faculdade. Dessa vez quem me esperava tarde da noite com a janta em cima da mesa era a minha mulher, abençoada seja.

Então, mãe. Tirei o diploma da faculdade. Aprendi tudo o que era preciso. Não faltava mais nada, a não ser a vaga de supervisor, era essa que eu queria.

Mês passado o supervisor morreu, Deus o tenha. Era bem idoso e estava doente. Coisas da vida. Logo começaram a comentar quem ia ocupar o cargo. A maioria achava que só podia ser eu, antigo de casa, conhecia o serviço de cabo a rabo, e além do mais, funcionário de confiança.  

Sabe o que aconteceu, mãe? Isso tá fazendo uma semana. Convocaram a gente pra uma reunião. Meus colegas já foram me dando os parabéns antes mesmo do anúncio.

Pois não é que apresentaram lá um molecote todo engomadinho que nunca ninguém tinha visto antes, e disseram que era o novo supervisor?

Ficou todo mundo de boca aberta sem entender. Pior ainda, mãe: me chamaram e disseram que era pra eu ensinar o serviço pro molecote.

Ele não é má pessoa, parece esforçado e me trata com respeito, reconheço.

Mas isso não foi justo, mãe. A gente descobriu que é filho de um amigo do diretor, e nem acabou a faculdade ainda.

Tanto que madruguei, tanto que me esforcei, confiando que Deus ia me ajudar… Não me arrependo de ter seguido o seu conselho, mãe, porque é o caminho certo pra se tomar na vida, mas tenho pensado muito numa coisa. Sabe a conclusão que tirei? É triste, mas não tenho outro modo de encarar isso. Não devia ser assim, mas é. Mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga.