O pequeno Yuri tem
cinco anos e acaba de acordar. Ele se levanta cedo porque gosta de
brincar no jardim quando as folhas ainda estão úmidas de orvalho e o ar tem
um cheiro gostoso de frescor.
Nesta manhã ele foi
despertado por um som insistente de batidinhas suaves. É o barulhinho
da chuva. Lá está ele, a cabeça
loira encostada no vidro da janela, olhando a chuva cair nas plantas. Hoje não pode sair
para brincar, mas não está triste porque gosta de ver as gotas formando poças, fazendo as folhas balançarem e as pétalas escorrerem água.
Ele fica pensando na
canção de ninar que fala da chuva caindo sobre um vasinho verde. Um vasinho
verde que alguém esqueceu no jardim. Anoiteceu e começou a chover. Ninguém quer
ir lá fora pegar o vasinho, que passa a noite se enchendo de água. E
os pinguinhos vão caindo, fazendo um barulhinho que dá sono, e o nenê adormece
na sua caminha.
Sempre que a mamãe
canta para ele, sua visão é daquele vasinho de jade que fica sobre a
lareira. Será que um dia alguém o esqueceu lá fora e por isso a musiquinha? Nunca perguntou. Prefere
ficar com dúvida a receber uma resposta negativa.
Quando a família
emigrou da Rússia o vasinho foi deixado para trás. Foram embora depressa, bem depressa. Não deu tempo de levar nada. Muito rápido, antes que Yuri
entendesse o que acontecia, chegaram ao Brasil.
Recomeçaram do zero.
Não mais o conforto e a segurança de antigamente. Tiveram que fazer
novos documentos com novos nomes. Queriam dar a Yuri o nome do seu tio Georgy,
que tinha ficado na velha pátria. A prudência
mandou aportuguesar, então Yuri virou Jorge. Mas só para os de fora, porque em
casa sempre seria Yuri.
Trabalho e coragem
trouxeram de volta a prosperidade. País novo, idioma novo, tudo diferente,
mas ele se lembrava com clareza da casa antiga, do jardim, da canção de ninar.
E pensava que cantaria a mesma canção quando tivesse um filho.
Yuri formou-se
engenheiro e casou-se com uma moça rica e mimada que sempre o chamou de Jorge.
Ela nunca se interessou em aprender russo e nem permitiu que Yuri ensinasse o
filho. Falta de educação falar em idioma estrangeiro na presença de quem não
entende.
A canção de ninar
nunca mais foi cantada. Nem para o filho, nem para o neto. O vasinho verde ficou para sempre naquele jardim
molhado de chuva, lá na pátria distante. Alguém o recolheu e colocou de volta sobre a lareira? Essa
era a grande preocupação de Yuri, sua última pergunta antes de morrer.
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