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segunda-feira, 7 de julho de 2014

O figo e o mel

Reverenda Madre,

Rogo humildemente a vossa atenção para os fatos que, breve e objetivamente, passo a expor.
Tenho para mim que ao final serei favorecida por vossa compreensão e misericórdia.
Quando aqui cheguei anos atrás, criança ainda, vinha em busca de paz espiritual, recolhimento e sabedoria.
Apesar da pouca idade, havia feito uma escolha consciente entre a vida secular e a vida clerical. Eu sabia que a grande realização do ser humano se consuma no momento de sua sincera e total renúncia a qualquer interesse próprio.
Tal conhecimento não me foi transmitido por ninguém; chegou-me assim um dia, natural e espontâneo como o enuncio agora. Naquele momento decidi de que maneira queria viver, e desde então tenho sido coerente com tal decisão.
A vida no monastério não é dura como se costuma dizer lá fora; é justa em todas as suas medidas. Não temos, não fazemos e não desejamos nada a mais e nada a menos do que o necessário. Qualquer coisa a menos representaria carência e desnecessário sofrimento; qualquer coisa a mais seria supérfluo e portanto estranho ao nosso modo de ser. Ainda que o corpo se ressinta, por vezes, da privação de alguma futilidade, a recompensa aparece cem vezes multiplicada em forma de enriquecimento espiritual. Trabalho, oração, estudo e meditação, sempre nas suas exatas proporções, nos concedem a paz e a sabedoria que buscamos.
Todas essas coisas, Reverenda Madre, são de vosso pleno conhecimento. Apenas as exponho para lhe assegurar de que a minha mente está e sempre esteve em acordo com tudo isso, e que o meu coração sempre se alegrou diante da perspectiva dos anos vindouros.
No entanto, apesar de toda a certeza e segurança, uma inquietação penetrou em meu espírito. Precisamente pela convicção de viver alerta contra todas as tentações, acredito estar diante não de um simples e vulgar enleio mundano, mas sim de algo importante e até agora desconhecido.
Aconteceu recentemente que, ao atravessar os portões do monastério para a aquisição de mantimentos, vislumbrei entre os mercadores um homem jovem e rude, mal vestido e sujo como costumam ser os pobres das redondezas.
Tão rude e inculto que, ao falar comigo, me olhou diretamente nos olhos, e depois (embora tivesse eu baixado a cabeça, como mandam as regras de compostura de nossa casta ordem) continuou me examinando insolente e despudoradamente. Aquela criatura rústica, Reverenda Madre, me tratou como se eu fosse mulher do povo, o que me vexou de um modo tal que fui obrigada a voltar sem concluir o trabalho para o qual havia saído.
Desde então coisas estranhas começaram a povoar minha mente, e, de forma semelhante àquela revelação que aqui me trouxe ainda em criança, outra se mostrou ao meu espírito. Também a esta pretendo obedecer prontamente, assim como obedeci à primeira.
Quero voltar ao século, Reverenda Madre, para - entre outras coisas - poder sustentar o olhar daquele jovem rude sem ter que baixar a cabeça, e examiná-lo como ele examinou a mim. Quero desfrutar da liberdade de cometer excessos para depois me arrepender, ou então me alegrar por ter alcançado novos limites. Quero não ter certeza do amanhã, mas sim dúvidas e sobressaltos que façam disparar meu coração. Quero ter desejos, para depois tentar satisfazê-los. Quero lutar pela salvação da minha alma, estando em meio a todas as perdições.
Tudo isso deve ser bom, Reverenda Madre. Se não fosse, como se explicaria o fato de que, enquanto as nossas faces são tão pálidas e os nossos olhos tão apagados, as pessoas lá de fora (como aquele jovem de cabelos negros que mencionei) têm os olhos e as faces tão cheios de fogo?
Nossa vida aqui dentro é doce como o figo mais doce, mas se esta devesse ser a maior das doçuras não teria Deus criado o mel. E agora, sabendo que ele existe, não desistirei de prová-lo. Sei que esta é a Sua vontade, ou não me teria revelado sua existência.
Nada mais me resta a dizer a não ser pedir a vossa bênção, Reverenda Madre.

Imagem: http://www.billsphotooftheday.com

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