Onde comprar "Os meninos da Rua Beto"



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"OS MENINOS DA RUA BETO"

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segunda-feira, 22 de junho de 2015

O vasinho verde

      O pequeno Yuri tem cinco anos e acaba de acordar. Ele se levanta cedo porque gosta de brincar no jardim quando as folhas ainda estão úmidas de orvalho e o ar tem um cheiro gostoso de frescor.

      Nesta manhã ele foi despertado por um som insistente de batidinhas suaves. É o barulhinho da chuva. Lá está ele, a cabeça loira encostada no vidro da janela, olhando a chuva cair nas plantas. Hoje não pode sair para brincar, mas não está triste porque gosta de ver as gotas formando poças, fazendo as folhas balançarem e as pétalas escorrerem água.

      Ele fica pensando na canção de ninar que fala da chuva caindo sobre um vasinho verde. Um vasinho verde que alguém esqueceu no jardim. Anoiteceu e começou a chover. Ninguém quer ir lá fora pegar o vasinho, que passa a noite se enchendo de água. E os pinguinhos vão caindo, fazendo um barulhinho que dá sono, e o nenê adormece na sua caminha.

      Sempre que a mamãe canta para ele, sua visão é daquele vasinho de jade que fica sobre a lareira. Será que um dia alguém o esqueceu lá fora e por isso a musiquinha? Nunca perguntou. Prefere ficar com dúvida a receber uma resposta negativa.

      Quando a família emigrou da Rússia o vasinho foi deixado para trás. Foram embora depressa, bem depressa. Não deu tempo de levar nada. Muito rápido, antes que Yuri entendesse o que acontecia, chegaram ao Brasil.

      Recomeçaram do zero. Não mais o conforto e a segurança de antigamente. Tiveram que fazer novos documentos com novos nomes. Queriam dar a Yuri o nome do seu tio Georgy, que tinha ficado na velha pátria. A prudência mandou aportuguesar, então Yuri virou Jorge. Mas só para os de fora, porque em casa sempre seria Yuri.

      Trabalho e coragem trouxeram de volta a prosperidade. País novo, idioma novo, tudo diferente, mas ele se lembrava com clareza da casa antiga, do jardim, da canção de ninar. E pensava que cantaria a mesma canção quando tivesse um filho.

      Yuri formou-se engenheiro e casou-se com uma moça rica e mimada que sempre o chamou de Jorge. Ela nunca se interessou em aprender russo e nem permitiu que Yuri ensinasse o filho. Falta de educação falar em idioma estrangeiro na presença de quem não entende.

     A canção de ninar nunca mais foi cantada. Nem para o filho, nem para o neto. O vasinho verde ficou para sempre naquele jardim molhado de chuva, lá na pátria distante. Alguém o recolheu e colocou de volta sobre a lareira? Essa era a grande preocupação de Yuri, sua última pergunta antes de morrer. 

Imagem: http://portuguese.alibaba.com

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Um casal de filhos

           Pra senhora ver, dona Odete. Eu tenho um casal de filhos. Este aqui, o Vandeílson, é o mais novo, está com vinte e cinco anos. E a Mariana, que é a mais velha, tem vinte e sete. Ela está lá pelas Europas, fazendo um negócio chamado... bodoque, podoque... como é mesmo, Vandinho?

           Acho que é posdoque, mãe.

           Que seja. Esse posdoque é uma coisa que tem que fazer depois que já fez tudo. Dá pra entender, dona Odete? Depois que a pessoa se forma ainda tem que fazer esse posdoque. Mas sei lá, a Mariana é que sabe da vida dela. Sinceramente eu me preocupo, mas a menina é difícil, não gosta de conselho. O que vai ser do futuro dela, prefiro nem pensar. Ainda bem que o meu finado Juvenal, que Deus o tenha, deixou uma pensão boa pra nós. Qualquer coisa, a mãe aqui ajuda.
           Já o Vandeílson, esse sim só me dá alegria. Não é, meu lindo?
           Diz aí, dona Odete, se esse menino não é lindo? Vira pra cá, Vandinho, mostra a belezura desse olho verde para a visita!
          Então, veja a senhora como a vida é engraçada. Eu e o meu Juvenal, que Deus o tenha em sua santa glória, combinamos que filho homem eu escolhia o nome, e filha mulher ele que escolhia.
          Quando nasceu a menina ele falou que queria pôr Mariana em homenagem a uma avó que ele gostava muito. Eu achei feio, um nome antigo e sem graça, mas trato é trato por isso não falei nada. Ficou Mariana mesmo.
          Mas quando eu engravidei de novo tive certeza de que era menino e já fui escolhendo o nome. Tive a ideia de fazer homenagem pra minha avó também. Ela era muito fã de dois cantores, o Wanderley Cardoso e o Wilson Simonal. Então inventei Wandeylson, juntando os dois nomes. Naquela época ela ainda era viva e ficou muito contente com esse carinho.
          Mas o Juvenal é quem foi registrar, e quando vi o registro, cadê o dáblio, cadê o ipsilone? Lá no cartório falaram pra ele que era melhor usar só letra brasileira, então ficou assim, com a letra vê e sem o ipsilone.
          E olhe só o que aconteceu! Parece até que foi um prêmio, uma bênção. Não é que o menino nasceu com os olhos verdes e o cabelo cacheado do Wanderley Cardoso, junto com a pele morena e a simpatia do Wilson Simonal?
          Foi por isso que desde pequenininho eu sempre levei o Vandinho para as agências de propaganda. Ele fez muito anúncio, a senhora deve ter visto. Apareceu em revista, apareceu na televisão, e depois de grandinho já fazia desfile.
          Mas a Mariana, tadinha, essa não tinha simpatia nenhuma. Sempre foi pequena, franzina, pálida, lerdinha. Eu levava no médico pra ver se ela não estava com anemia, mas depois de fazer os exames o médico dizia que não, que ela tinha saúde.
          Mas por que é tão quietinha, doutor? Só quer saber de ficar parada, lendo, escrevendo, desenhando. Quase nunca vejo ela brincar.
          Eles respondiam: “Deve ser o jeito dela, só isso. Cada criança é de um jeito, é preciso respeitar.”
          Tenho que reconhecer, a Mariana nunca me deu trabalho. Só tirava nota boa, não se metia em nenhuma confusão, e quando não podia ajudar também não atrapalhava.
          De uma coisa eu já tinha certeza: o Vandinho era o mais inteligente, e a Mariana era a mais esforçada.
          Lição de casa o Vandinho terminava num instante e já ia brincar. A outra não, ficava lá em cima dos cadernos. Quando terminava já estava na hora de dormir.
          É bem verdade que de vez em quando ela precisava ajudar o irmão, que se enroscava em umas matérias. Teve vez de ele tirar nota baixa, mas no final tudo deu certo. Muito inteligente, esse meu menino.
          No ano passado ele fez teste para trabalhar numa novela. Ficaram de telefonar. Essas coisas demoram mesmo, por isso a gente não se preocupa. Uma hora eles telefonam.
          Agora a senhora veja a Mariana. Só quer saber de estudar. Com dezoito anos já estava na faculdade de matemática. Mas por que logo matemática, eu perguntava. Se quer fazer faculdade vai fazer direito, vai fazer medicina. Isso sim dá emprego bom. Ela respondia que gostava mesmo era de matemática. O padrinho dela falou: se gosta de matemática vai fazer engenharia, que tem muita matemática e depois é fácil arranjar emprego. Ela dizia que não, que queria matemática pura. Meu sobrinho, que entende dessas coisas, falou que na faculdade ela podia escolher computação, que era outra carreira muito boa. Mas não, ela respondia que não queria computação, queria matemática pura.
          E pra quê, dona Odete? Pra quê? Olha o Vandinho aqui, ele não quis saber de faculdade e nunca precisou. Muito estudo é besteira. Meu Juvenal, que Deus o tenha, não tinha estudo nenhum mas era inteligente, só andava com gente importante. Foi trabalhar de motorista particular para uma família de posse, e quando o patrão dele virou deputado, chamou o Juvenal para ser assessor. Cargo de confiança, quem melhor do que uma pessoa honesta e trabalhadora como o Juvenal?
          Então, mais vale a inteligência, escolher bem as amizades, saber com quem está lidando, isso que eles chamam agora de... rede de... rede do que mesmo, Vandinho?

          Rede de relacionamento, mãe.

          Isso mesmo. A tal rede de relacionamento. Mais vale saber montar essa rede do que estudar a vida inteira. A prova é a Mariana, que já está com vinte e sete anos e nem namorado tem, pelo menos que eu saiba.
          No ano passado, não sei se a senhora ficou sabendo, ela ganhou uma medalha de honra ao mérito. Uma tal de Medalha Fide. É assim mesmo que se fala, Vandinho? Medalha Fide?

          É Medalha Fields, mãe.

          Não falei que ele é inteligente, dona Odete? Como você se lembrou, Vandinho?

          É igual a Emily Fields, mãe. Sabe, daquele seriado.

          Seriado? Ah sei, tá bom. Mas então. A Mariana ganhou essa medalha no ano passado porque ela descobriu um negócio lá. Um tal de emblema, né Vandinho?

          É teorema, mãe. Tipo o teorema de Pitágoras, só que é outro.

          Então explica aí, Vandinho. Você entende melhor do que eu.

          Ela fez demonstração de um teorema antigo. Ela falou que já tinham demonstrado mas que tinha ficado muito comprido, umas cinco páginas. Então ela fez uma demonstração bem curtinha, de meia página. Foi por isso que deram a medalha pra ela.

          Isso, Vandinho, isso mesmo. Que bom que você se lembra. Sei lá que importância tem essa tal demonstração, mas o pessoal que entende gostou e acharam que ela merecia. A senhora não viu eles falarem na televisão? Não falaram muito, mas chegou a passar numa porção de canais. A Mariana podia ter aproveitado essa chance de se mostrar, de falar alguma coisa, fazer a tal rede de relacionamento, mas não. Toda vez que apareceu ficou quieta, no máximo dando um sorrisinho. A entrevista onde ela falou mais foi aquela que saiu na internet, mas saiu tudo escrito, sem mostrar ela falando. Quer dizer, ela não sabe fazer propaganda. Desse jeito, não sei não...
          Enfim, ela está lá nas Europas fazendo esse tal posdoque. Quando voltar, sabe no que ela vai trabalhar, dona Odete? A senhora tem um palpite?
          Vai ser professora, dona Odete. Já pensou? Estudou, estudou, e agora vai ser professora. A senhora sabe como é difícil a vida de professora. A sorte dela é que tem a gente aqui pra apoiar. Isso se ela quiser, porque até agora nunca quis.

          Não fica preocupada, mãe. Já sei como a gente pode ajudar se ela não quiser aceitar dinheiro.

          É mesmo, Vandinho? Como?

          Eu tenho muito colega que estuda. Não é difícil arranjar aula particular de matemática pra ela dar. Aula particular paga bem.

          Viu, dona Odete, eu não falei? O meu Vandinho além de lindo é muito inteligente. Sorte da Mariana ter um irmão assim.


Maryam Mirzakhani, matemática iraniana, ganhadora em 2014 da Medalha Fields.
É a primeira mulher a receber essa distinção, considerada o “Prêmio Nobel” da Matemática.

Nesse mesmo ano o prêmio foi atribuído a outras três pessoas, entre elas o brasileiro Artur Avila, 
por "suas relevantes contribuições à Teoria dos Sistemas Dinâmicos".
http://www.mathunion.org/general/prizes/2014/
Beleza da Matemática de Maryam Mirzakhani e Marina Ratner é eterna

Imagem: http://www.bizjournals.com