José Carlos levantou os olhos da papelada para conferir se
o ventilador estava mesmo ligado. Estava, mas o calor continuava sufocante. A
maioria dos funcionários era jovem e parecia não se importar com o calor nem
com o barulho das máquinas de escrever e de somar. Também ele, anos atrás, fora
assim. Aprovado no concurso público, a vida resolvida, só tinha que trabalhar
direitinho. A noiva, ao saber da aprovação, decretou:
― Agora sim, Zequinha, podemos casar.
Casaram. Puro boato aquela conversa de que
funcionário público era folgado. Ele não era nem podia ser, com tantos
processos despejados dia após dia sobre a sua mesa. Agora, depois de todos aqueles anos, sentia-se cansado.
Voltou a atenção às folhas timbradas que tinha
nas mãos. “Secretaria do Bem Estar Social”. Bem estar? Ele não estava se
sentindo bem.
― Chega. Vou-me embora.
Sem outras análises ou considerações, empilhou os papéis, arrumou as pastas, guardou na gaveta carimbos, tinteiros, canetas e mata-borrões,
levantou-se e rumou para a porta. Alguns olharam admirados. Não falaram nada,
ou por falta de intimidade ou por falta de interesse. Pegou o chapéu e foi pra casa.
O caçula, refestelado na rede da varanda, lia
um gibi. Nem o viu chegar. Ao abrir a porta descobriu o que faziam em casa
enquanto ele trabalhava. A mulher passava esmalte nas unhas. As filhas liam uma
revista “O Cruzeiro”. O rapaz mais velho assistia a um jogo de bola pela
televisão.
Todos se voltaram para ele.
― O que foi, Zeca? Algum problema na
repartição?
― Pai, o senhor está doente?
― Patrão, quer um cafezinho?
Nenhuma resposta. Subiu lentamente para o
quarto. Trancou a porta e tirou a roupa. Foi para a sacada tomar a fresca sem
se importar que o pudessem ver da rua. Desceu as escadas. Mulher, filhos e
empregada o observavam calados. Descalço e de cuecas, tranquilo como se
estivesse em uma praia, abriu a porta e saiu à varanda. O caçula, percebendo a
sua presença, levantou-se atarantado.
José Carlos deixou-se cair na rede. Puxou as abas sobre os
olhos, deu um impulso com o pé e ficou lá se balançando. Apenas se
balançando... Para lá e para cá, para lá e para cá...
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