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"OS MENINOS DA RUA BETO"

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domingo, 31 de maio de 2015

Mesa Redonda em Tabaréu

Estamos no “Festival Literário da Cidade de Tabaréu”, ou, abreviadamente, “Feli Cidade de Tabaréu”. Neste momento realiza-se uma mesa redonda sobre “Literatura Brasileira na Contemporaneidade”, com participação de ilustres profissionais da palavra oriundos de diversas partes do Brasil.

Dentre estes, destacam-se uma importante presença e uma importante ausência.

A presença é do autor João Graveolens Neto, ganhador de vários prêmios incluindo o “Cágado” de melhor romance do ano anterior.

A ausência é da jovem escritora Deneb Dulfim cuja obra de estreia — o primeiro volume da trilogia “Petra” — está há três meses na lista dos best sellers nacionais.

Todos lamentam, mas não se mostram por demais surpresos diante da recusa ao convite feito pela organização do evento. Afinal, ela nunca se mostrou ao público. Sabe-se apenas que é jovem, e é mulher. E que sabe cativar a imaginação dos adolescentes. E que está ficando rica.

Ao final da mesa redonda é inevitável comentar sobre esse fenômeno do mercado literário. São feitos vários elogios, várias menções aos astronômicos números de exemplares vendidos, e também fala-se sobre um boato de o livro virar roteiro de filme a ser rodado em Hollywood.

Apenas uma pessoa mostra-se indiferente à discussão: João Graveolens Neto, justamente o nome mais importante da mesa. Tal atitude não passa despercebida a um repórter local que, farejando controvérsia, pergunta-lhe a opinião acerca do livro escrito pela promissora jovem.

Parece até que o consagrado autor estava esperando ser questionado. Apruma-se na cadeira, pigarreia, puxa o microfone para mais perto e começa elogiando a iniciativa e a coragem demonstrada por muitos jovens ao empreender a escrita de volumosos romances. Tal atividade os afasta de práticas indesejáveis e de companhias danosas. Além disso, aprendem mais por meio das necessárias pesquisas, preparam-se melhor para suas futuras profissões, etc. etc.

A certa altura o repórter pede licença e repete a pergunta, dizendo que gostaria da sua opinião sobre a obra daquela autora.

Sem esconder o seu desagrado, Graveolens Neto responde que algumas coisas podem ser consideradas literatura e outras não, sendo que a “obra” (faz com os dedos o gesto das aspas) da talentosa menina não pode ser considerada literatura.

“Mas se é talentosa, por que sua obra não é literatura?” pergunta o repórter.

“É talentosa no quesito ‘ganhar dinheiro’, o que não deixa de ser um importante talento, certo?” ironiza o autor.

Poupemo-nos dos pormenores da discussão acalorada que se segue a essa afirmação. Porém é interessante notar que, a despeito de sua opinião desfavorável, Graveolens Neto demonstra certa familiaridade com o estilo de Deneb Dulfim, uma vez que é capaz de tecer críticas como: “vocabulário pobre; abuso de verbos fracos e de clichês; excesso de adjetivos; profusão de gerundismos e advérbios; personagens sem substância; pieguice ilimitada”.

“Para alguém que despreza a obra o senhor está bem informado demais”, brada um homem da plateia, o qual justamente vem a ser o representante da editora de Deneb Dulfim.

“Na verdade eu li as primeiras cinco páginas do livro”, responde o insigne autor. “Gosto de saber o que movimenta o cenário do mercado editorial.”

A estas palavras segue-se uma dura polêmica entre os dois.

“Se o senhor leu apenas as cinco primeiras páginas, como pode ter certeza de que se trata do livro dessa autora? Pelas características mencionadas mais parece um texto de Paola Lepri, que, aliás, pertence ao catálogo da sua editora.”

Ao dizer “sua editora”, o representante aponta o dedo rudemente para o interlocutor.

“Nada tenho contra ou a favor da senhora Paola Lepri, cujo nome nem deveria ter sido mencionado já que não está aqui, mas posso provar que o livro era, sem sombra de dúvida, o primeiro volume de ‘Petra’. Não é verdade que se trata da história de uma certa adolescente da classe média alta do Rio de Janeiro, que tendo perdido os pais num acidente descobre-se totalmente falida? Sendo obrigada a se mudar, juntamente com a avó, para uma comunidade instalada sobre um dos morros daquela cidade? Que vai morar em um barraco construído junto a uma grande rocha, que lhe serve de parede no lado norte? Que a cama da jovem é colocada perto dessa rocha? Que a jovem se encosta nela a fim de se refrescar, durante as noites quentes? Que nesse processo acaba descobrindo uma série de inscrições em baixo relevo, cujo significado —“

Nesse ponto o representante o interrompe.

“Está bem, está bem, o senhor já provou que era o livro correto. Agradeço pela leitura crítica das cinco páginas. Lamento que a obra não lhe agrade, mas essa opinião é apenas sua. O resto do Brasil ama Deneb Dulfim e continuará lendo tudo o que ela publicar.”

Graveolens Neto poderia ter adotado a altivez do silêncio, mas retruca:

“Tenho certeza de que o sucesso de vendas continuará inabalável. Afinal é disso que se trata, certo? O mercado, a fama, o dinheiro. A literatura? Ora, a literatura...”

“O senhor deve mesmo ter alguma coisa contra o dinheiro, afinal quanto vendeu o seu romance premiado? Mil cópias? Mil e duzentas? Não muito mais do que isso, imagino.”

O presidente da mesa sente-se obrigado a intervir.

“Senhores, senhores, esse tipo de discussão não cabe neste encontro! Por favor deixem os seus assuntos para mais tarde. Falando nisso, está na hora de encerrar a sessão.”

Depois dos agradecimentos e das palavras finais, a plateia levanta-se para ir embora e algumas pessoas vão conversar com os autores. Na saída encontram-se os dois oponentes. O representante da editora de Deneb Dulfim dirige-se a Graveolens Neto:

“O senhor aceita uma carona? No caminho podemos acabar de falar dos nossos assuntos.”

Ao que o outro responde:

“Agradeço a oportunidade. Somos pessoas razoáveis, certo?”

Quem ouve a conversa acha aquele comportamento tão apropriado, tão civilizado, que a má impressão quase se dissipa. O repórter, sempre atento, tem agora uma conclusão satisfatória para a sua matéria.

Já no carro, o tom do diálogo muda:

“E então, Graveolens, como vai o segundo volume?”

“Está saindo, estou quase terminando. Seguindo o gancho do volume um, Petra entra na rocha em viagem astral e encontra Badezir. O volume dois está centrado no romance, ele tentando ganhar a confiança da menina, que não se lembra da sua encarnação como rainha de Agharta. No desfecho ela é convencida a segui-lo pelo império subterrâneo para ajudar no plano de salvação da humanidade. Esse vai ser o gancho para o volume três. O problema é que ainda não resolvi se ela vai para Agharta com o corpo físico ou com o corpo astral. Isso é que está me atrasando um pouco.”

“Tudo bem, ainda temos tempo. E a literatura, como vai?”

Graveolens Neto acaricia o cavanhaque grisalho e pensa um pouco antes de responder.

“A literatura? Ora, a literatura...”


Imagem: http://www.stlucianewsonline.com

2 comentários:

As 1001 Nuccias disse...

Olá!
Sinta-se tagueado!!
Saiu a postagem da tag “Campanha Literatura Brasileira”. Você pediu e foi indicado!
Fique à vontade para ler, comentar, responder a seu tempo.
Até + ver! Nu.
As 1001 Nuccias
|Curtiu?

P.S.: adorei seu conto!!! Tão contemporâneo! XD

Zulmira Carvalheiro disse...

Obrigada, Nuccia! :)