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"OS MENINOS DA RUA BETO"

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segunda-feira, 11 de maio de 2015

A tiazinha e o vendedor de laranjas

Eu lá na padaria, sentado num banquinho alto perto do balcão, comendo um misto-quente no pão francês e tomando guaraná gelado. Sinceramente, não queria outra vida. Aí comecei a ouvir a conversa de dois moços que aguardavam os seus pratos feitos na mesa ao lado.

— É sério, meu irmão, a mulher é louca.
— Me desculpa. Eu não tinha ideia que a tiazinha era assim. Se soubesse eu não tinha falado nada.
— Tu não tem culpa. Como podia saber?
— Então... ela chegou lá na banca, ficou olhando pra lá e pra cá, e depois perguntou: “Onde tá aquele menino gritão? Faltou hoje? Além de gritão é malandro?”
— Daí você falou que eu tava trabalhando na outra feira...
— Falei assim: "Dona, ele foi trabalhar com o tio dele. Tá lá na feira da Vila Assunção, ele não vem mais pra cá."
— E ela?
— Ela nada. Ficou olhando quieta e foi embora.

Os pratos feitos chegaram e eles continuaram a conversar enquanto comiam.

— Eu já sabia que ela era louca, mas você não tinha como saber. Desconfiei porque todo sábado ela aparecia e ficava me atazanando. Ela falava assim: “Você é muito gritão, viu menino? Tem que gritar assim? Lá do outro lado da feira a gente escuta você.”
— Mas pra vender tem que gritar mesmo, quanto mais alto melhor. O que ela queria?
— Eu respondia assim: “Tia, a senhora não precisa chegar até aqui. Compra as suas laranjas noutra banca, tá cheio de banca de laranja por aí.”
— E ela falava o quê?
— Ela falava que tinha direito de passar por onde quisesse, que tava na lei do Brasil que a pessoa pode andar por todo lado, e que eu tinha que parar de gritar daquele jeito pra anunciar aquelas porcarias daquelas laranjas.
— Você tinha era muita paciência, eu ia mandar ela comprar as coisas dela no supermercado, que tem ar condicionado e música de alto-falante.
— Um dia falei assim: “Tia, por que a senhora não vai na feira da Vila Assunção? É no sábado também, não fica longe daqui, e lá a senhora não vai me escutar.” Ela respondeu que era muito longe sim, senão ela ia mesmo.
— Engraçado eu nunca ter reparado nisso. Eu via ela chegando e falando com você, mas não entendia a conversa, então pensava que tavam falando da mercadoria, do preço, sei lá.
— Antes fosse. Mas era semana atrás de semana, todo sábado ela reclamando da mesma coisa. Tinha dia que era difícil me livrar dela e atender os fregueses, ela ficava ali parada falando e falando que parecia vitrola.
— Se fosse eu tinha mandado ela praquele lugar.
— Não podia, né companheiro? Ela é louca mas é senhora de idade, ia ficar feio fazer uma coisa dessa.
— Mas tem que ter paradeiro, não tem? Ninguém merece tanta aporrinhação.
— Pois é. Quando o meu tio me chamou pra trabalhar com ele pensei que tava com todos os problemas resolvidos. Ele me paga mais, eu trabalho com os meus primos, e tinha também esse lado, que eu ia ficar livre da maluca.
— A alegria durou pouco.
— Durou pouco mesmo, porque no mesmo dia que você deu a minha ficha ela apareceu lá na Vila Assunção.
— É incrível, se me contassem eu não acreditava.
— Pra você ver! Já tava na hora da xepa, eu lá trabalhando tranquilo, me sentindo aliviado sem ninguém me aperreando, tudo na santa paz, e de repente escuto aquela voz: “Até aqui você vem gritar, seu gritão? Não cansa de gritar? Assim não é possível!”
— Tô imaginando o susto!
— E põe susto aí! Eu falei: “Mas a senhora não morava longe da Vila Assunção? O que tá fazendo aqui tão longe da sua casa?”
— E ela?
— Ela disse que não tinha satisfação que me dar, ia pra onde bem entendesse, e era melhor eu parar de gritar porque a minha mercadoria além de não prestar era muito cara, e não adiantava eu gritar daquele jeito porque não ia vender nada mesmo.
— E agora, meu irmão, você vai fazer o quê?
— Tô aceitando sugestão, companheiro. Pensa em alguma coisa aí que vou te agradecer.

Nessa hora eles se levantaram e foram pagar no caixa. Eu já tinha acabado o meu lanche há um bom tempo, mas fiquei fazendo hora pra ouvir a conclusão da história. Não consegui ouvir. Eles saíram para a rua ainda falando, gesticulando, e se afastaram. Pelo jeito não havia conclusão.
Daí pensei que há uma vantagem em não saber como uma história termina: fica permitido imaginar qualquer final!
Imagens: 
http://cronicaswebmenosdoispontozero.blogs.sapo.pt
http://www.afamosa.com.br



2 comentários:

Beto disse...

Gostei muito de forma de escrever, seus diálogos são super fluídos e naturais. Parabéns

Beto

www.blogcoisastriviais.blogspotcom

Zulmira Carvalheiro disse...

Obrigada, Beto! :) Gostei muito do seu blog. Volte sempre.