Juntos estamos
como há muito temos estado. Só nós dois.
Eu, deus.
Ele, meu
derradeiro crente.
Ninguém
mais.
Tanto tempo,
tanto tempo, que as bordas se desvaneceram.
É ele aqui comigo onde habitam os deuses, entre as nuvens que vagam
sobre os picos mais altos?
Ou sou eu lá com ele onde habitam os humanos, em meio aos charcos sombrios?
É dele a
cabeça exausta que se apoia nos meus joelhos? Ou é nos joelhos dele que eu me
inclino e desfaleço?
Não há mais
diferença. Tudo se tornou indistinto. Como as montanhas distantes
fundindo-se no azul do céu.
Ele tem me
sustentado e eu a ele.
O último do
seu povo. Todos os outros, mortos. Ele único. Ele e eu: sozinhos.
Não fosse
por mim já teria morrido também. Liguei o fio de prata da sua vida às energias
celestes. Etéreo cordão umbilical.
Muita
energia escorreu por esse fio, energia vinda do nada. Passou por ele, retornou
ao nada.
Pouco resta
para ele próprio tornar-se nada.
Junto com
ele, eu.
Que há de
mais aterrorizante do que a não existência?
Esse terror
agora nos domina.
Suportamos
ao máximo. Estamos esgarçados.
Eu não
existo sem ele, ele não existe sem mim. Mas nenhum de nós é eterno.
Nestes
últimos instantes a razão não me basta. O que eu sei não me consola. A convivência
me tornou humano. Tenho emoções. Sofro.
Eu não
queria morrer. Não queria fazer você morrer. Porque quando eu me for, você irá
comigo. Ao nada. Ao não ser. Ao nunca ter sido.
Mesmo assim,
embora seja inútil insistir, reafirmo que te adorei. Que te glorificava a cada
manhã. Que te agradecia pelos raios de sol, pelas gotas de chuva e pelas
estrelas.
Porque sem
você nada haveria neste mundo. Nada nem ninguém nem prazer nem dor e ainda na
dor eu te agradecia. Por continuar vivo.
Agora não
tenho mais dor, só tristeza. No fim de tudo, valeu a pena?
Ah, a dúvida.
Por que agora a dúvida? Toda uma vida de crença e adoração.
Quem fez as
leis a que obedeci? E se não as tivesse obedecido?
Meu
entendimento se esvai. Minha mente se confunde. O sentido de tudo se
desorganiza.
Sinto-me
débil. Ele não pode me ajudar porque minha debilidade o contamina.
Perder tudo
é a maior das dores. Ao menos a crença ― ou a ilusão da crença ―
poderia restar.
A morte com
dignidade: a morte com a certeza de que tudo valeu a pena.
Por que,
deus, me negas esse último consolo?
Enxergo com
os olhos dele. Seus olhos buscam as estrelas, âncoras da eternidade. Quer se
unir a elas e permanecer.
É inútil. O
fio de prata tornou-se névoa, dissipou-se no espaço.
Descansemos,
meu criador, minha criação.
As estrelas
estão se apagando. Quem se apaga? Elas ou nós?
Elas em nós.
Mergulhemos
na escuridão. Unidos como sempre estivemos.
E não tenha
medo, porque sempre fomos um único. E com Ele continuaremos a ser.
4 comentários:
Lindo poema!
Especialista em Comunicacao Visual, Sao Paulo - SP
Gostei bastante!
Especialista em Como Resgatar Dinheiro de Consorcio Cancelado, Sao Paulo - SP
Muito bonito!
Danca Arabe Grupo Nasser, Brasil, Sao Paulo - SP
Excelente!
Me pareceu uma forma incrível de evidenciar que a crença em Deus (qualquer que seja), e Ele próprio, é algo intrinsecamente ligado ao indivíduo. Não deveria haver apóstolos ou sacerdotes para nos dizer de suas vontades e desígnios, pois estas são percepções tão íntimas e pessoais que não podem, de modo algum, nos ser imputadas por outrem. Quando nossa existência chega ao fim, os deuses também se vão, e provavelmente seremos confrontados com novas realidades, criadas pela mesma essência de que somos compostos. Parabéns pelo belo texto!
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