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quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Chick-lit da depressão

— Então essa é a grande surpresa que você me prometeu?
— Isso mesmo! E que surpresa, hein?
— Não é possível, não acredito. Nunca em mil anos. Você tá de brincadeira comigo.
— Não estou, amiga. Juro. É ele mesmo.
— Sergei Bolotinha? Aquele feioso baixinho do colégio? Virou esse deus grego? Impossível.
— Feioso é por tua conta. Você é que tinha birra do menino. Ele não era feio não, e baixinho só no primeiro ano, porque no terceiro já estava bem alto.
— Vá lá que seja, mas além de ficar extraordinariamente lindo ele também está rico?
— Além de rico, perfumado. Você tem que chegar bem perto pra sentir. Irresistível.
— Mas como aconteceu isso? Não entendo!
— Não há o que entender. Ele se formou no colegial, fez faculdade, fundou uma empresa e ficou rico. Simples.
— Eu não apostava um tostão furado no futuro daquele moleque. Quem diria?
— É porque você tinha cisma dele. Lembra como ele era bom aluno? Ele e a dupla de irmãos gêmeos, lembra?

Sem tirar os olhos daquela figura deslumbrante, tentei me lembrar.
Sim, o Bolotinha era bom aluno. No primeiro ano do ensino médio quase ninguém se conhecia, mas logo todo mundo já estava enturmado. Menos ele e os irmãos gêmeos, uma menina e um menino recém-chegados de Angola.
O problema era que esses três não se misturavam, pareciam tímidos, não conversavam com ninguém. Daí, quando precisávamos formar grupos para fazer os trabalhos, eles sempre acabavam ficando de fora. Resultado óbvio: formaram um grupo entre eles.
O gozado é que tiravam notas altas, e a gente ficava pensando: se eles não falam, como é que se comunicam para fazer os trabalhos? Transmissão de pensamento, só pode! Ha ha ha ha!!! Devem ser mutantes!
Como éramos bobos... Com toda a nossa “comunicabilidade”, nunca chegávamos nem perto do desempenho daqueles três.
A minha amiga estava certa: eu tinha birra do Bolotinha. O motivo é que ele me olhava demais. Não era só eu que percebia, os meus colegas diziam a mesma coisa. “Olha aquilo, Larissa! O Bolotinha não tira os olhos de você! Vai dar namoro!”
Ah como isso me irritava. Eu era a it girl da classe, a descolada que se vestia diferente, usava maquiagens ousadas e mechas coloridas no cabelo. Ele tinha é que procurar uma menina igual a ele, tipo aquela do seu grupo, que era toda certinha, limpinha, penteadinha, com brinquinho de ouro e correntinha no pescoço.
O nome dela eu lembro, era Luena. A gente gostava de zoar chamando-a de Luana. Todas as vezes ela dizia, com aquele sotaque engraçado meio português, meio africano: “Meu nome é Luena.” Com certeza sabia que era zoação, mas nunca se alterou. Sempre na maior calma e elegância: “Meu nome é Luena.”
Acho que foi por isso que nunca esqueci. Já o irmão, não gravei o nome.
Durante todo o curso o Bolotinha nunca parou de me olhar daquele jeito esquisito, sem falar nada. Uma vez, já no último ano, um colega arrancou da mão dele um papel no qual desenhava. Era eu ali naquele desenho. Perfeita, com as minhas meias arrastão propositalmente furadas, a minissaia amarela, o bolerinho roxo sobre a camiseta branca. Até as botas de couro vermelho ele desenhou com perfeição. A corrente de aço que eu sempre usava, com um pingente enorme, dourado, em forma de tesoura, estava lá. Como ele conseguia desenhar tão bem uma tesoura? E os meus cabelos negros com uma linda mecha azul. Por que eu me lembro de cada detalhe? É que o meu colega deu o desenho pra mim em vez de devolver para ele.
Na hora falei que estava horroroso, que ele tinha me desenhado como uma palhaça, que estava ridículo, que eu ia limpar a sujeira do meu cachorro com aquele papel, etc., etc., mas a verdade é que achei lindo e até preguei na parede do meu quarto.
Claro que o episódio fez a turma me atazanar ainda mais com a brincadeira de que aquilo era paixão e que ia dar namoro, noivado e casamento. Mas não. O ano terminou e a gente se formou sem o Bolotinha jamais ter conversado comigo.
Agora lá estava ele. Alto, forte, muito bem vestido, sorridente. E provavelmente perfumado. Virei para a minha amiga:

— Diz aí, Sarita, como você o descobriu?
— A empresa dele, que fabrica bolsas e sapatos, fez um contrato com a nossa.
— Contrato com uma fábrica de joias? Como assim?
— Eles querem que a gente produza peças como fechos, fivelas, argolas e pequenos adereços em material nobre, ouro quatorze quilates e prata rodinada. Com design exclusivo, obviamente. E pedras brasileiras de qualidade. Estão preparando uma linha premium de alto luxo.
— Minha nossa! Então a empresa dele é desse tipo?
— Nem duvide, amiga. Com um detalhe: a matriz é em Miami. É de lá que ele gerencia tudo.
Eu cada vez mais admirada:
— Como você o reconheceu, Sarita? Se está tão mudado?
— Pelo nome! Quem mais neste mundo poderia se chamar Sergei Bolotin?
— Bolotin? Então daí é que veio o apelido?
— Claro, né amiga? Ele não era gordo, por que motivo iam chamá-lo de Bolotinha? A família dele é russa, daí o sobrenome. Não lembra quando os professores faziam a chamada?
— Eu só prestava atenção até chegar na letra L de Larissa. Se alguma vez ouvi, achei que o professor estava dizendo Bolotinha.
— Que falta de sensibilidade, amiga!
— Agora estou bem mais sensível... uau!
— Estou vendo. Dá pra ver a sua sensibilidade à flor da pele.
— Será que está solteiro?
— Não sei, mas reparei que ele não usa nenhuma aliança.

Pra encurtar a história, Sarita me levou até o Sergei para fazer as apresentações. Fiz questão de dar um beijinho. Era perfumado mesmo! Dior Homme Intense. Reconheci porque o patrão do meu ex-marido usava e dizia que era a melhor fragrância do mundo. E a mais cara também.
Mas aí tive a primeira decepção: ele não se lembrava de mim!

— Não se lembra? Sou a Larissa, aquela que você desenhou, lembra?
— Desenhei? Quando?
Tive que dar vários detalhes até ele se lembrar.
— Ah sim, a Larissa. Você está mudada.
Elogio ou crítica?
— Me formei advogada, agora tenho que me vestir dentro dos padrões.
Nenhuma reação.
Percebendo o desinteresse, Sarita improvisou:
— Então, Sergei, a Larissa estava me dizendo como gostaria de conversar com você sobre os velhos tempos!
Resposta dele:
— Mesmo? Por quê?
Ah, isso só podia ser ressentimento. Ele fingindo toda essa frieza significava que se lembrava de mim e ainda estava magoado pela maneira como eu o tratava. Ótimo! Indiferença não dá pra trabalhar, mas esse tipo de mágoa dá pra trabalhar sim, e transformar em outras coisas. Coisas muito boas.
Tomei a dianteira:
— Como assim, por quê? Para recordar, dar umas risadas, atualizar a conversa. Tanta coisa para contar! Que acha da ideia?
Tenho que confessar: ele hesitou. Depois tirou do bolso uma agenda eletrônica. Sem nenhum entusiasmo me disse:
— Tá bom. Deixe ver como está a minha programação. Quando é que você pode?

Saí de lá com o cérebro em turbilhão. Minha amiga Sarita, gerente de design da empresa que fechou contrato com o Sergei, me fez o maior dos favores ao me convidar para o coquetel de comemoração do negócio.
Eu era uma advogada mequetrefe trabalhando num escritório mequetrefe. Meu único objetivo: passar no concurso para procuradora. Agora que o meu casamento de quatro anos tinha ido pros quiabos, precisava me garantir de algum jeito. Se conseguisse o emprego de procuradora do estado poderia respirar mais aliviada.
Foi quando a Sarita reencontrou o Bolotinha, digo, o Sergei. Ora, o cara estava rico, bonito, aparentemente solteiro, e havia arrastado um bonde por mim lá nos anos do colégio. Situação promissora.
Agora eu tinha um encontro marcado com ele. Tá certo que não se tratava de um encontro romântico, nada disso, mas já representava um começo. Depois de olhar os dias e horários disponíveis ele havia me encaixado em uma quarta-feira à tarde, no escritório que usava quando estava no Brasil. Sem problemas. Eu planejava aproveitar muito bem aqueles trinta minutinhos...
Chegou a quarta-feira. Me arrumei primorosamente, procurando imitar o padrão de elegância que o vi ostentar no coquetel. O endereço também era elegante, assim como o edifício, o escritório e a secretária que me atendeu. Tudo top de linha.
Na hora combinada entrei na sala do Sergei. Lá estava ele: calmo, bonito, seguro de si. Não parecia ansioso com a visita de uma antiga paixão da adolescência. “Não importa, eu gosto de desafios.” pensei na minha cabeça.
Mas no meu coração, estava nervosa.
Desta vez não houve beijinho, só um aperto de mão, já que ele não saiu de trás da mesa ao me cumprimentar.
Sentei-me e tentei parecer alegre e charmosa. Mas ele esfriou um pouco a minha animação quando perguntou, de maneira muito profissional:
— E então, no que eu posso te ajudar?
Céus, ele estava pensando que tinha vindo pedir emprego?
Mantive a pose e fiz um ar de surpresa, sem deixar o sorriso desaparecer.
— Pode me ajudar me contando como está.
— Estou muito bem, e você?
— Eu estou ótima, obrigada.
— Que bom.
Opa! Não posso deixar a temperatura baixar desse jeito. Mesmo sem ele ter perguntado já fui falando, com grande entusiasmo, que havia me formado em direito, que trabalhava em direito trabalhista, que era bem interessante e eu adorava (completa mentira). Sem dar tempo de ele dizer nada, emendei a pergunta:
— Como você resolveu entrar para o ramo dos sapatos e bolsas?
Isso rendeu alguns minutos de conversa, ele me contando que o pai possuía uma loja de calçados e que ele cresceu no meio desse tipo de artigo. Por isso foi bem natural continuar com o comércio quando terminou a faculdade de administração. Vai daí, montar a fábrica foi um pulo.
— Administração? Pensei que você fosse estudar Belas Artes!
— Nunca pensei nisso. Eu gosto de desenhar, mas é só um hobby.
Opa de novo! Mais uma vez a conversa ameaçava esfriar. Então entrei com carga pesada:
— Queria te perguntar uma coisa. Você ainda está chateado comigo?
Cara de surpresa.
— Chateado? Como assim? Por que eu estaria chateado?
Fingimento puro, eu tinha certeza!
— Porque eu passei o colegial inteiro fazendo gozação com você.
— Não foi o colegial inteiro, foram poucas vezes.
Poucas vezes? O cara não lembra que eu o zoava praticamente todos os dias? Só podia estar fingindo. Provoquei:
— Eu te chamava de Bolotinha!
Sergei inclinou para trás a bela cabeça coroada de cachos castanhos e riu.
— Ora, isso não teve a mínima importância. Por que eu me importaria com uma bobagem dessa?
Bobagem? Eu crente que estava atormentando aquele moleque, e ele achando bobagem? Não acreditei e prossegui:
— Só queria te explicar que havia um motivo para eu te zoar.
— Mas eu já disse que não tem importância.
— Me deixe terminar. O problema é que você me incomodava muito.
— Mesmo? Por quê?
— Porque você não parava de me olhar!
Outra expressão de surpresa. Logo depois o rosto se iluminou com um sorriso e ele deu uma risada como quem se lembra de alguma coisa há muito esquecida.
— É verdade, eu te olhava mesmo! Preciso te pedir desculpas pelo incômodo.
A conversa fluía para onde eu tinha planejado.
— Tudo bem, só me responda uma coisa: qual o motivo de me olhar tanto?
Ele hesitou. Pareceu embaraçado.
— Quer mesmo saber?
— Quero!
— Você vai ficar chateada comigo, e com razão.
— Não vou não, pode falar.
Que emoção!
— É que você me fascinava.
Oh felicidade! Estamos indo na direção certa!
— Eu te fascinava? Por quê?
— Era a tua aparência.
Eu sabia! Afinal eu era a it girl da sala! Fiz carinha de inocente, como se não estivesse entendendo.
— Que é que tinha a minha aparência?
— Posso mesmo falar? Você vai ficar chateada.
— Não vou não, agora somos adultos, aquilo foi na adolescência.
— Tá bom. O motivo é que eu achava a sua aparência ridícula.
Nããããããão!!! Não posso acreditaaar!!!
Engoli em seco. Juro, não é modo de dizer. Engoli mesmo em seco. Ele percebeu porque ligou para a secretária e pediu dois cafezinhos.
— Ridícula como assim? Não, eu não estou chateada (na verdade estava chocada), só quero entender.
— Mas você não se lembra? Não tinha dia que você não aparecesse com roupas estranhas, cores desencontradas, acessórios malucos, maquiagem esquisita. Eu ficava fascinado.
Não pude esconder a decepção.
— O fascínio do horror, não é?
— Não chamaria de horror. Mas era bizarro. E cada dia uma montagem diferente da anterior. Tenho que reconhecer: era muita criatividade.
Montagem? Ele chamava o meu look de montagem? Ai que vontade de chorar. Ele teve um gesto de consolo:
— Não fique assim. Você era só uma adolescente. Nessa idade temos licença poética para agir como doidos. Faz parte do desenvolvimento normal.
Eu não poderia estar mais desapontada. Joguei um último argumento:
— Teve aquela vez que você me desenhou. Pensei que era porque tinha achado bonito o meu look do dia.
— Ah sim. Mas a verdade é que naquele dia você atingiu o ápice da... digamos... criatividade. Eu precisava registrar aquela imagem de alguma forma, e já que não podíamos usar celular na classe...
— Entendi... E não te incomodava quando o pessoal dizia que você estava a fim de mim?
— Não, eu não me incomodava nem um pouco. Outra bobagem de adolescentes. Não é pra levar a sério.
Nessa altura eu já sabia que ele nunca havia sido apaixonado e que apenas me considerava ridícula. Mas nem tudo estava perdido. O negócio é trabalhar o futuro. As possibilidades são infinitas.
Antes que eu abrisse a boca para falar qualquer coisa, a porta se abriu. Era um homem negro, alto, lindo. Segurava uma bandeja com os nossos cafezinhos. Sorriu maravilhosamente e disse:
— Posso entrar?
Sergei pareceu contente ao vê-lo.
— Claro, claro! Venha aqui que eu quero te apresentar a uma pessoa.
Ele se aproximou. Esbelto, sensual. Só havia homem bonito naquela empresa?
— Larissa, quero te apresentar o gerente de contabilidade, meu cunhado Lukeny.
Cunhado???? Tive um mau pressentimento, mas resisti. Retribuí o cumprimento do tal de Lukeny e perguntei, cheia de esperanças:
— Você é casado com a irmã do Sergei?
Nesse instante os dois se entreolharam e começaram a rir muito. Eu fiquei ali com cara de tacho.
— Desculpe a gente, Larissa. É que foi engraçado.
Eu ficando nervosa.
— Engraçado? Por quê?
Lukeny tomou a palavra:
— Por dois motivos: primeiro que o Sergei é filho único, segundo que eu sou gay.
E voltaram a rir. Minha cara de tacho tornou-se indisfarçável.
Sergei foi até a mesa e virou na minha direção um porta-retratos grande, de moldura vistosa. Era a foto de uma família feliz: ele abraçado a uma mulher bonita, de aparência aristocrática, junto com duas crianças graciosas, uma menina e um menino.
— Eu casei com a Luena. Veja os nossos filhos gêmeos. Não são lindos?
Eram sim. Mais do que lindos. Saudáveis, sorridentes e felizes.
Nessa hora dei bandeira. Choraminguei:
— Mas você nem usa aliança...
— Aliança me causa desconforto no dedo. A Luena não se importa. Não é, Lukeny?
Depois disso me despedi e fui embora. Nem tomei o cafezinho. O pior foi tê-lo deixado perceber as minhas reais intenções. Espero nunca mais ver o Sergei nem o Lukeny e muito menos a Luena.
Ai, ai, ai, o que eu vou dizer à Sarita?
Que eu não gostei dele, que o Sergei continua sendo o mesmo Bolotinha de sempre, pelo menos para mim. Chato e sem graça. Sei lá, vai ver que os nossos santos não combinam, sabe como é?
De volta à vida real. Escritório mequetrefe, vida mequetrefe.
O jeito é investir no concurso. Uma hora eu consigo passar. Com certeza.
Aliás, preciso chegar em casa e acessar aquela apostila on line.
O que estará fazendo meu ex-marido a esta hora?

Imagem: http://drprem.com/



4 comentários:

Beto disse...

Zumira sempre quando leio um conto seu, espero uma surpresa no final e mais uma vez você me surpreendeu. Que moça mais interesseira essa hein? O pior é que o mundo está cheio de gente assim né. Parabéns pelo o excelente texto.

Zulmira Carvalheiro disse...

Obrigada, Beto! Realmente o mundo está cheio de gente que se julga "a última bolacha do pacote", mas a realidade pode ser bem diferente... rsrsrs...

César Gatto disse...

Já li pelo menos umas três vezes esse texto. Gostei muito! Me identifico com a história de criar expectativa e se frustrar no final. Acontece direto na minha vida.. Achei que vc descreve bem o que se passa na nossa cabeça após a frustração, dizendo: "...voltando para minha vida mequetrefe, escritório mequetrefe..." voltando pra vida real. Acontece comigo também este pensamento.. E o final eu gostei bastante tbm..
Achei genial na hora que ele diz que achava a aparência dela ridícula! hahaha
Parabéns pelo texto! Ficou muito bom! =)

Zulmira Carvalheiro disse...

Oi, César! Obrigada pela visita! Confesso que foi uma tentativa frustrada de escrever uma "chick lit". Afinal o blog é o meu laboratório de testes, onde tento fazer de tudo um pouco -- e ver no que dá. Essas histórias românticas tão populares, tão rentávei$ no mercado "literário" não são fáceis de escrever. Eu tentei, juro! rsrsrsrs!!! No final não consegui fazer aquela coisa rósea e melíflua com final feliz, típica desse "gênero". Mas foi divertido realizar o experimento. Legal você ter gostado. :)