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terça-feira, 28 de julho de 2015

Maçã verde

Que delícia. Domingo, manhã de chuva. Friozinho gostoso. Adoro.
Nem precisava ter levantado tão cedo. Mas eu gosto de acordar, abrir os olhos e ver que estou aqui, no meu apartamento.
Tá bom, é quitinete, mas eu considero apartamento. E nem é meu, só aluguei, mas é como se fosse.
A prova de que estou no meu apartamento, meu e de mais ninguém, é esta maçã que estou comendo. Verde, bem grande, gostosíssima, sabor de pera misturada com maçã. Vou ficar aqui comendo e olhando pela janela e vendo essa paisagem que nem é tão bonita, mas não faz mal, porque só o prazer de estar sozinha, em paz, sem dar satisfação a ninguém, já compensa.
Se eu estivesse lá na casa dos meus pais logo logo a minha mãe ia aparecer dizendo: “Letícia, comer fruta crua em jejum não é bom pro estômago, você precisa tomar café com leite e comer um pãozinho.”
Hahahahahahaha! Olha eu aqui, mãe! Tô comendo maçã e bebendo água. Tá vendo aquele copo ali no parapeito? É água pura, fresquinha. Se eu quisesse café, estaria bebendo café, mas não quero. Agora sou eu quem manda no meu estômago, valeu?
Tive que esperar dezoito anos para começar a viver. Até que enfim. Meu quartinho-com-banheiro tem tudo o que preciso: a cama, o armário, um fogãozinho de duas bocas, a mesa com cadeira, um radinho e o filtro de água.
“Ai que pobreza, Letícia!”
Pobreza nada. É tudo limpo, arejado, sem insetos, não passo frio nem calor, não preciso de geladeira, computador uso o da faculdade, televisão nunca gostei mesmo, o chuveiro é bom e o colchão macio. Pronto, perfeito.
E para ficar mais perfeito ainda, estou fazendo o curso dos meus sonhos. Jornalismo! Em universidade pública! Só de pensar nisso me dá um arrepio de felicidade. Adoro todas as matérias, principalmente História da Comunicação.
Como não sou boba nem nada, consegui duas coisas bem legais: bolsa-alimentação e emprego de meio período. Daí que não tenho problema com grana. E a coisa só tende a melhorar, porque...
Droga! Tem gente batendo na porta. Odeio quando ficam batendo na porta do banheiro.
— Letícia! Sabe há quanto tempo você está nesse banheiro?
— É que estou lavando o cabelo, mãe!
— Mas precisa demorar tanto?
— Hoje é domingo, mãe!
— É domingo mas tem mais gente precisando usar o banheiro. Já tá formando fila aqui na porta.

Ai meu Deus. Nunca consigo chegar na parte mais legal, quando a chuva acaba e eu vou passear no parque. E depois volto pro apartamento e faço aquele macarrão delicioso com molho branco e brócolis. E depois estudo um pouco e então saio com a turma da faculdade. E a gente vai ver aquele filme brasileiro que tá bombando e depois...
— Leticia! Quantas vezes vou ter que te chamar?
— Já vou, mãe. Já tô indo.

Droga de vida.

Letícia sai do banheiro. Os dois pirralhos que ela chama de irmãos estavam mesmo fazendo fila na porta, estapeando-se enquanto esperavam. Ela vai pro quarto, começa a secar os cabelos com a toalha.
— Vem logo tomar café, Letícia! Hoje você vai pra feira comigo.
— Não quero café, mãe. Não tem aí uma maçã?
— Maçã em jejum? Vai te fazer mal. Come primeiro um pãozinho.



Imagem: https://www.realbuzz.com


4 comentários:

Undesirable Number 9 disse...

Mães sempre tem recomendações e crendices, só mudam de endereço!
Com tanto puxão de orelha, as primeiras e pequenas liberdades realmente admiram, ainda estou descobrindo as minhas.

Unknown disse...

Estou imaginando se a Letícia vai ensinar para os filhos que não se pode comer maçã em jejum... tem algumas coisas que ficam com a gente.
Bjos
Pietra

Zulmira Carvalheiro disse...

Obrigada pelo comentário, "Undesirable"! Deu para perceber que na verdade ela não tem liberdade nenhuma, e só estava fantasiando? Mas é assim mesmo, primeiro fantasiamos e depois realizamos. As grandes conquistas começaram como simples sonhos. Importante é sonhar. :)

Zulmira Carvalheiro disse...

Não sei, Pietra, mas acho que ela não vai cercear a liberdade dos filhos não. Afinal, comer maçã em jejum é para ela um símbolo de autodeterminação. Quem já se sentiu tolhido em suas pequenas liberdades não vai querer repetir o mesmo erro com os filhos. Ou vai?!