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sábado, 18 de outubro de 2014

A mãe-do-ouro

Minha mãe morreu quando eu nasci, então o meu pai me trouxe para ser criada aqui no sítio dos meus avós maternos, enquanto ele voltou à cidade, para a sua vida de solteiro.
Tive uma infância maravilhosa. Minha avó sempre me contava histórias sobre a minha mãe, mostrava retratos, e me colocava para dormir no quarto que tinha sido dela. Por tudo isso, e principalmente pelo carinho que me dava, não cheguei a sentir falta do afeto materno.
Meu pai nunca foi próximo. Eu só me lembrava da sua existência duas vezes por ano, no Natal e no meu aniversário, porque nessas datas ele mandava algum presentinho. Deve ter me visitado algumas vezes, só que não guardei na memória nenhuma dessas visitas.
Quando eu tinha quatro anos vieram me dizer que ele ia se casar de novo e que eu seria a daminha de honra do casamento. Disso me lembro perfeitamente. Fiquei admirada, curiosa, e com um pouco de medo. O que era daminha de honra?
Minha avó disse que fiquei bem bonita com aquele vestidinho branco enfeitado com botões de rosa e lacinhos de seda, mas só me lembro da noiva, que me abraçou e me beijou efusivamente. Fiquei assustada, não só com aquela descabida demonstração de ternura mas também por causa do cabelo vermelho e da pele muito branca, cheia de sardas. Nunca tinha visto alguém de cabelo vermelho e nem com tantas sardas.
Voltamos para o sítio, esqueci completamente o fato, até que, passado algum tempo, fiquei sabendo que tinha um irmãozinho. Não me interessei em saber os detalhes, mesmo assim disseram que ele se chamava Narciso.
“Narciso? Que nome feio!”
“Não é feio não. É o nome de uma flor muito bonita.”
Continuei achando feio, mas já que o assunto não era importante, deixei pra lá.
Mais ou menos por essa época começou a acontecer uma coisa estranha. Era estranha mas não era assustadora.
Depois que a minha avó me colocava na cama ela sempre se deitava ao meu lado, pegava a minha mão e juntas ficávamos olhando o teto, onde havia uma porção de estrelinhas cintilantes. Ficávamos olhando as estrelinhas e ela conversava um pouco comigo, me contando uma historinha, algum caso da minha mãe, ou falando sobre qualquer acontecimento daquele dia. Então eu dormia sem perceber.
Mas uma noite acordei com o barulho que ela fez ao sair e, estando virada para o lado da janela, notei uma luminosidade lá fora. Não uma luminosidade qualquer. Era uma luz verde que se movia, e eu podia vê-la pelas fendas da veneziana.
Não fiquei com medo e voltei a dormir tranquilamente. No outro dia perguntei à minha avó o que era aquilo. Ela respondeu que devia ser um vaga-lume. Fiquei quieta mas não acreditei, porque vaga-lume não tinha uma luz tão forte. Só se fosse um vaga-lume gigante, coisa que não existia.
Todas as noites a partir de então eu via a luz verde movendo-se diante da janela. Só aparecia após a minha avó ter saído do quarto. Nunca me incomodei com aquilo. Muito tempo passou. Uma noite, quando eu já tinha uns nove anos, resolvi abrir a janela para olhar de perto.
Jamais me esquecerei. Empurrei devagar as folhas da veneziana, com cuidado para não espantar a luz. Deu certo, porque ela não fugiu. Era uma linda bola luminosa do tamanho de um coco verde. Uma esfera translúcida, imaterial, de um verde cambiante com reflexos azuis. Fiquei lá quieta, olhando, enquanto ela pairava à minha frente oscilando suavemente para cima e para baixo, para um lado e para o outro. Não tive medo nenhum. Quando cansei, fechei a janela e fui dormir.
Virou um hábito. Sempre que a minha avó ia embora pensando que a sua neta dormia, eu me levantava silenciosamente e abria devagarinho a janela. Às vezes conversava com a bola luminosa. Não me respondia com palavras, mas alterava ligeiramente a cor e a oscilação. Eu interpretava esses sinais como bem me convinha, achando que ela estava concordando comigo, ou sugerindo alguma coisa, ou dando uma resposta.
Um dia ouvi certa conversa entre o meu avô e um empregado do sítio. Era sobre uma coisa chamada “mãe-do-ouro”. Fiquei prestando atenção porque nunca poderia imaginar que ouro tivesse mãe. O homem estava dizendo ao meu avô que alguém tinha visto uma “mãe-do-ouro” ali perto. Meu avô respondeu simplesmente que se continuasse acontecendo ele ia investigar.
Depois que o empregado saiu perguntei-lhe quem era essa tal “mãe-do-ouro”. Ele explicou que se tratava apenas de uma crendice popular. Seriam bolas luminosas que aparecem em lugares onde há minas de ouro desconhecidas ou então tesouros enterrados.
“Tudo besteira. Esse povo vê vaga-lume ou fogo-fátuo e fica inventando histórias.”
Eu sabia que não era crendice, mas não falei nada. Ao invés, perguntei-lhe o que era fogo-fátuo.
Nessa noite pulei a janela para chegar mais perto da “mãe-do-ouro”. Não toquei nela, mas achei maravilhoso andar em torno, aproximar o rosto, andar com ela ao lado. Era como se fôssemos amigas.
Noite após noite, perambulando pelo jardim em torno da casa, íamos parar perto de um pessegueiro que, segundo a minha avó, havia sido plantado pela minha mãe ainda quando criança. Eu achava perfeito me sentar apoiando as costas no pessegueiro da minha mãe enquanto “conversava” com a amiga luminosa.
Tudo transcorria muito bem até chegar aquela notícia: o meu irmão vinha passar uns dias conosco. Meu irmão? Quem? Ah, o Narciso. É verdade, eu tinha um irmão com nome de flor. Ele não ia dormir comigo no meu quarto, né? Não? Que bom, pelo menos isso.
Quando ele chegou com o meu pai e a sua mulher de cabelo vermelho, senti antipatia à primeira vista. Enquanto os meus avós sorriam e diziam “Ah que gracinha! Oh que bonitinho!” eu pensava: “Que moleque feio! Sardento e de cabelo vermelho! E tem cara de bobo também.”
Os adultos passaram dois dias conosco e depois foram embora para a segunda lua de mel (fosse lá o que fosse tal coisa), deixando o moleque para os meus avós cuidarem. Ele já tinha quase seis anos, era bastante independente e muito malcriado. Quando eu me queixava com a minha avó, ela dizia para eu ter paciência, que faltavam só mais uns dias. Gostaria que ela me ensinasse como ter paciência com aquele sardento que ficava me seguindo por todo canto, fazendo caretas e mostrando a língua quando ninguém estava olhando.
Uma noite, quando todos já estavam dormindo, pulei a janela para me encontrar com a amiga luminosa. Não tinha me afastado nem cinco metros de casa quando, ao olhar pra trás, vi o moleque dentro do meu quarto, diante da janela, olhando admirado a bola de luz. Fiquei muito zangada. Voltei depressa e falei para ele sair dali e ir dormir. Ele só olhava a bola, espantado. Quando ela se aproximou, ele saiu correndo de medo.
Certamente ia contar para os meus avós no dia seguinte. Mas eu negaria e pronto, tudo resolvido. Quem acreditaria no pirralho?
Voltei ao passeio. Quando a situação estava novamente tranquila, apareceu de repente o moleque. Ele havia voltado, pulado a janela e nos seguido. Fiquei mais zangada ainda e ordenei que ele voltasse imediatamente. Em vez de voltar, ele se abaixou, pegou uma pedra e atirou. Não sei em quem ele pretendia acertar, só sei que atingiu a bola em cheio.
O que houve em seguida foi uma explosão silenciosa. A bola dividiu-se em milhares de faíscas, que de verde tornaram-se vermelhas. Eu gritei de susto e o moleque correu dali. Aqueles pontos luminosos foram se afastando uns dos outros, tornando-se uma nuvem cada vez mais rarefeita. Restou apenas o miolo: uma névoa esbranquiçada, disforme, quase transparente. A névoa dirigiu-se lentamente para o pessegueiro e eu a segui, com o coração em sobressalto. Chegando lá, foi descendo para o chão em direção às raízes. Pareceu mergulhar com suavidade no solo, e extinguiu-se por completo.
Sentei-me, encostando-me no tronco da árvore, e chorei. Minha amiga luminosa havia morrido. Tudo por causa daquele moleque malcriado. E agora? Fazer o quê?
Comecei a roçar a mão na grama bem no lugar onde a névoa tinha desaparecido, e senti uma pontinha dura. Ao olhar, vi algo que brilhava à luz da lua. Seria um fragmento solidificado da bola luminosa? Cavei devagarinho, com cuidado, e desenterrei um objeto que estava preso a uma correntinha. Era uma correntinha de ouro com um coraçãozinho.
No dia seguinte o meu irmão parecia um anjo, como se nada houvesse acontecido na noite anterior. Quando mostrei a correntinha à minha avó, ela ficou muito emocionada.
“Era da sua mãe! Ela ganhou de aniversário e nunca tirava do pescoço, mas perdeu quando tinha a sua idade, e nunca mais encontramos. Onde você achou, minha filha?”
Perdoei o meu irmão. Não fosse por ele, talvez nunca tivesse descoberto a joia. A “mãe-do-ouro” havia cumprido a sua missão. Agora a correntinha fica no meu pescoço. No coraçãozinho está escrito o nome da minha mãe. Já contei que o meu nome é igual ao dela?

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